Após alguma demora, pois outros afazeres me retiraram o tempo ao longo destes dias. Quero aqui deixar um apontamento sobre o que se sucedeu naquele fatídico dia, apesar de todos nós já sabermos o que se passou, pois foi repetido diversas vezes na comunicação social.
Infelizmente, por mau planeamento e também pelo tamanho da calamidade, não me foi possível estar presente no Fontão aquando a chegada do incêndio. Apenas posso relatar o que me contaram e o que vi depois deste passar. Também não tenho muitas fotografias para contar a história.
A propagação do incêndio foi uma coisa nunca antes vista, no incêndio de 2005 houve tempo para tudo, desta vez não houve tempo para nada. O incêndio terá chegado ao Fontão por volta das 9 horas da noite. O vento era muito mas felizmente não se fazia sentir na direcção da aldeia, o que fez com que o incêndio se esticasse pelo vale abaixo em direcção à Foz Fontão. Mas como apenas haviam 2 carros dos Bombeiros Voluntários de Penela (a quem eu quero deixar um agradecimento), o incêndio ardeu por onde quis tendo apenas ficado uma pequena área verde no cimo da aldeia. Arderam 2 palheiros, uma casa velha já sem telhado e uma casa de 2ª habitação que era ao lado desta última.
Em números redondos, 90% da freguesia ardeu, só não ardeu a parte de Alge porque já tinha ardido o ano passado. Os lugares mais afectados foram Vilas de Pedro e Vale do Vicente, nestas aldeias até se verificaram telhados arrancados pela força do vento. No Vale do Vicente arderam várias casas.
Naquela noite, grande parte das aldeias não tiveram a ajuda dos bombeiros. O que é perfeitamente compreensível dada a escassez de meios verificada e a rápida propagação do incêndio também fez com que as vias de acesso à freguesia ficassem intransitáveis, mesmo que alguém quisesse passar não conseguia.
Falando do que aconteceu no total (nos 3 concelhos), tudo o que podia correr mal, correu mesmo mal. Naquele dia as condições climatéricas eram propícias à deflagração de incêndios. A temperatura era bastante elevada e a humidade baixa. Havia poucos meios disponíveis para o combate ao incêndio porque ainda não estávamos na chamada "época de incêndios", a fase Charlie só começou a 1 de Julho se não estou em erro. A tal desorganização que foi falada da comunicação social, da Proteção Civil no combate ao incêndio. E ainda o vento forte que se fez sentir e que ajudou o incêndio a propagar-se em diversas direcções . Tudo isto ajudou para o desfecho que todos sabemos.
Para o futuro penso que nada vai mudar. É falado num plano piloto para a floresta mas duvido que isso venha a ter algum impacto na economia dos 3 concelhos. A floresta podia ser uma grande fonte de riqueza para esta região do país, mas infelizmente está abandonada. Muitos dos terrenos não tem dono e nem sequer existem pessoas para cuidar deles. Não é só nestes 3 concelhos, mas o interior do país está completamente deserto, vitima das políticas centralistas do estado (nem sequer existem infraestruturas básicas como escolas e hospitais). Por outro lado, ao longo destes anos todos, as câmaras municipais também não têm ficado muito bem na fotografia, em vez de terem trabalhado e lutado para resolver ou atenuar este problema, têm antes trabalhado na caça ao voto, porque é mais fácil garantir o lugar nos próximos 4 anos do que trabalhar para desenvolver o concelho. Parece que ninguém se preocupa com este problema, mas daqui por uns anos, vamos ter freguesias completamente desertas, e Campelo vai ser um desses casos.
A floresta está completamente retalhada sendo impossível qualquer tipo de ordenamento. Uma solução para a floresta, podia passar por a constituição de associações florestais. Era necessário fazer o levantamento de uma dada área florestal e identificar os terrenos com dono e sem dono. Os proprietários entregavam então a gestão dos terrenos a essa associação, deixando de ter metros quadrados e passando a ter cotas. Os lucros eram então distribuídos pelos proprietários consoante as cotas. Assim já era possível ordenar a floresta bem como aplicar técnicas de produção adequadas.
O negro que hoje se observa, daqui por uns tempos vai voltar a ser verde. Mas os problemas vão continuar a persistir e provavelmente nada vai ser feito para os resolver. Enquanto os anos vão passando, apenas nos resta esperar por outro incêndio e que as consequências sejam as menores possíveis.